O amor e seus meandros é um tema recorrente no power pop. Não apenas em seus aspectos lúdicos, mas também no seu lado melancólico, amargo – idealmente, abordado com genuína emoção. E claro: ancorado em canções pop, as mais perfeitas quanto possível, a eterna busca inerente ao power pop. Atingido o ápice nesses dois quesitos (ou chegado bem perto disso), o que temos são aquelas obras que definitivamente marcam quem as ouve, que realmente fazem a diferença. É o caso do 8º. disco da Série Clássicos do Power Pop Station: Blue Pop, do cantor/compositor/músico/produtor americano Adam Daniel.
O envolvimento do americano de Santa Monica (Califórnia) Adam Daniel com a música começou bem cedo: aos seis anos de idade aprendeu a tocar piano, aos nove já se aventurava na guitarra. Exposto a doses maciças de pop clássico durante sua infância, através de seu pai (músico) e seu irmão mais velho, Adam se graduou na UCLA (University of California, Los Angeles) em 1995 e começou a gravar demos, que eventualmente lhe renderiam um contrato com a APG Records.
Na verdade Adam exerce várias atividades e sua biografia é um pouco mais extensa do que o espaço permite (quem quiser saber mais, ver comentários). Por ora, falemos de Blue Pop, seu álbum de estréia, lançado em 1999 e para o qual ele compôs todas as músicas, criou os arranjos, tocou praticamente todos os instrumentos (à exceção da bateria) e co-produziu. Já no seu primeiro disco, Adam alcançou um resultado que a grande maioria dos compositores leva a vida toda perseguindo – e não atinge.
Blue Pop é sobre os relacionamentos amorosos e seus vários aspectos. Em algumas músicas, Adam os celebra; em outras, ele os vê pela perspectiva da pessoa rejeitada; em outras, é ele quem dá o adeus. Para narrar essas histórias de amor e desamor (que, ele afirma, em sua maioria realmente aconteceram com ele) Adam se alterna com incrível facilidade entre o mais puro guitar pop e momentos mais introspectivos, quietos. Musicalmente, comparações podem ser feitas com alguns de seus contemporâneos da década de 90 (Michael Penn, Posies fase Dear 23, Elliott Smith, Fountains of Wayne, Steve Ward), mas seu diferencial é a comovente sinceridade e a emoção que ele imprime a essas treze simplesmente soberbas canções.
Se alguém um dia pedir para que você explique o que é um gancho musical, mostre a ele (a) “Breaking Up”, a sensacional faixa que abre Blue Pop. Um inacreditavelmente grudento riff de teclado prende o ouvinte instantaneamente à canção, cuja letra chega a ser cruel em suas palavras de despedida (I’ve got a lot of clothes that you’re never going to see me in/I’ll write a lot of songs that you’ll never get to hear me sing/and I told a couple lies and you’re never going to know which one). Em seguida, o balanço beatle de “Battle Song” parece celebrar a vida a dois (Hold me babydoll/And I held her/Say you’ll be my valentine/And I brought her hearts/And be my soldier boy/And I sent myself to war). Pausa nas guitarras para a suave “Lovebug”, na qual a bela voz de Adam é acompanhada por teclados, delicadas harmonias vocais e uma discreta pedal esteel guitar.
Vem a alegria rocker de “Her Shake” e tudo parece estar bem (She makes good sense/She says “Say what you want to say/Do what you want to do/Go where you wanna go, just take me there”). Em seguida (e em contraste), uma daquelas faixas às quais é virtualmente impossível se ficar alheio: em contraposição à ironia de “Breaking Up”, em “Why I Can’t Be Beside You” Adam anuncia o fim em tom solene, quase épico, iniciando apenas com voz e violão e encerrando com teclados e camadas de guitarras. É mesmo difícil apontar os grandes momentos de Blue Pop (porque só há grandes momentos), mas não os mais emocionantes – e este é um deles.
A contagiante batida de “Guess I Got A Girl” nos remete ao pop clássico sessentista e é acompanhada por uma cativantemente quase ingênua letra, de tão feliz (I guess I got a girl/And she likes to call me “boy” and I want/To be with her forever/She’s like a pill and I need to have it every day). Mas a proposta de Adam é contrapor o ganho e a perda, a alegria e a dor. Em “You Wrecked Me” – outro momento de arrepiar – apenas um violão acompanha sua voz quase sussurrante, enquanto ele discorre sobre a perda da pessoa amada. Aqui ele prova ser um compositor do mesmo calibre de gênios como Elliott Smith e Chris Bell. E por fim, a calma “Say Goodbye” fecha Blue Pop, no mesmo clima bittersweet que permeia o disco inteiro.
Qualquer lista com os melhores álbuns de guitar pop dos anos 90 que se pretenda séria precisa incluir Blue Pop. Seu título pode sugerir que trata-se de um disco essencialmente triste, mas não é o caso. Adam Daniel toca sim, em certos pontos difíceis dos romances, mas usa a linguagem do pop para fazê-lo. Blue Pop tem grande potencial para nos comover – possivelmente até arrancar algumas lágrimas – mas o que temos quando terminamos de ouvi-lo é uma enorme sensação de prazer e bem-estar. Ele nos deixa com um sorriso no rosto. E prontos, claro, para novas audições.