Por Daniel Arêas
Para uma banda, tão desafiador quanto escrever grandes canções e criar grandes álbuns, é conseguir forjar uma identidade, uma personalidade própria, a partir das influências que a inspiram. O desafio torna-se ainda maior quando os músicos trazem consigo diferentes bagagens musicais. Nessa empreitada de extrair uma marca, uma cara própria a partir da reunião de várias referências musicais, poucas bandas lograram obter êxito com tamanho brilhantismo quanto o power trio londrino Bronco Bullfrog, cujo álbum homônimo de estréia é o 4º. disco da série Clássicos do Power Pop Station.
O Bronco Bullfrog (nome extraído de um obscuro filme inglês dos anos 60) foi formado no fim de 1995, em Londres, por Andy Morten (bateria, vocais), Mike Poulson (vocais, guitarra) e Louis Wiggett (baixo, vocais). Cansados de perambular por bandas psicodélicas e de garage rock da cena local (tais como The Nerve, Vibraphone, The Morticians) decidiram unir numa só banda todos os backgrounds musicais de cada um. O resultado foi mais uma prova da máxima que afirma que o todo é sempre maior do que a soma das partes.
Bronco Bullfrog, o disco, foi lançado em 1998, e é a reunião de sessões de gravação realizadas entre setembro de 1996 e fevereiro de 1998, nos Y Studios, em Leicester. Se as letras das canções em geral giram em torno de temas melancólicos, como a solidão, a nostalgia e fins de relacionamentos, musicalmente o espectro de influências sobre o qual Bronco Bullfrog se ancora é bem amplo. Uma referência que surge recorrentemente no disco é The Who, principalmente da fase
Live at Leeds/Who’s Next (em grande parte devido à técnica e à energia dos músicos, em especial Morten, com seu estilo de tocar bateria inspirado no inigualável Keith Moon). A psicodelia sessentista também perpassa boa parte do álbum, mas outras referências e estilos musicais podem ser percebidos ao longo da audição.
Das baladas acústicas ao hard rock, do country rock à psicodelia, todas as canções (em sua grande maioria compostas por Morten, a não ser “Del Quant”, “Poor Mrs. Witherspoon”, “Be My Friend” e “One Eleven”) trazem em si a marca própria, a identidade da banda. Mas de nada adiantaria a mescla de estilos que a caracteriza se não fossem as músicas. Bronco Bullfrog em pouco mais de uma hora nos oferece grandes e inspiradíssimas canções (intercaladas por breves interlúdios), tocadas com grande competência e vigor, e é isso que o torna um clássico.
O disco abre lindamente com “Yesterday’s News”, onde um dedilhado de violão acompanha a sensível interpretação de Mike Poulson (cujo timbre de voz rende comparações com Graham Nash, ex-Hollies e C,S&N). É uma introdução tão bonita e tocante quanto rápida (34 segundos), mas a canção reaparecerá mais à frente no álbum, completa.
Se “Yesterday’s News” apresenta brevemente ao ouvinte o lado mais suave da banda, a canção seguinte, “Together” é um excelente cartão de visitas para sua faceta rocker e energética: une o melodicismo dos heróis do power pop a exatas doses de psicodelia (inspiradas em bandas como The Move, Nazz, The Creation), tocada com a energia incontida tão característica do The Who. “Del Quant” (composta em parceria por Morten e Wiggett) e “Can’t Make My Own Way” seguem a mesma linha e mantêm o padrão de qualidade do disco no alto.
A esplêndida “Poor Mrs. Whiterspoon” (a única assinada em conjunto pelos três músicos) é uma prova da versatilidade e talento da banda: composta por três partes distintas, flerta tanto com o hard rock quanto com o progressivo setentista, e ainda apresenta uma passagem na qual o riff de guitarra se desacelera e ganha em distorção, chegando a evocar o Black Sabbath. Mais à frente, uma bela slide guitar traz ares country a “Be My Friend” (outra assinada por Morten e Wiggett, e cantada por esse último) e evidencia uma referência fundamental na obra do Bronco Bullfrog: The Byrds.
Contrastando com a canção anterior, os quase 8 minutos de “Lazy Grey Afternoon” poderiam perfeitamente figurar em algum disco de qualquer banda psicodélica britânica e de garage rock dos anos 60, com direito a uma longa jam no fim, repleta de guitarras invertidas. E a sucessão de grandes canções não pára: “Down Angel Lane” é (mais uma) prova da capacidade da banda de fundir o vigor das guitarras com irresistíveis ganchos, na melhor tradição do power pop.
“Welfare Snapshot” é a complementação (com pouco mais de seis minutos) da introdução “Yesterday’s News”. Dessa vez cantada emotivamente por Andy Morten (acompanhado de um instrumental mínimo, como na introdução do álbum), a canção comove na beleza da melodia e na melancolia da letra, que narra o cotidiano vazio e sem sentido de uma pessoa. Lê as “notícias de ontem”, acorda apenas para voltar a dormir, não se dirige ao seu (sua) cônjuge. Esse sentimento de desesperança é realçado no belo refrão (“I see a future there/It looks hazy/ But I know there'll be chances on the way/ I see the sun come up/ The seventh time this week/ Or maybe it's the seventh time today”). Uma referência que surge aqui é a do mestre eterno Chris Bell. Desconcertantemente, um álbum em que os músicos esbanjam técnica e energia pode muito bem ter em sua canção mais singela justamente o seu momento mais emocionante.
A curta “One Eleven”, a contribuição de Poulson ao disco, é instrumental e tocada no piano, e adornada por harmonias vocais arrebatadoras. Depois da maravilhosa fúria power popper de “History” (pense no Badfinger chocando-se – de frente - com os riffs raivosos e a bateria alucinada do The Who), o disco chega ao fim com a linda “Paper Mask”, que imediatamente remete aos Beatles (ali por volta de 1968) e na qual Andy Morten encontra em Mike Poulson o intérprete ideal para uma amarga história de um fim de relacionamento.
O Bronco Bullfrog faria ainda outros grandes álbuns (sua discografia completa está nos comentários), e depois de lançar o brilhante
Oak Apple Day (2004) decidiu encerrar suas atividades. Por alguma razão, foram mais reconhecidos em outros países da Europa (principalmente a Espanha) do que em seu país natal. Hoje, a banda é reconhecida como uma das mais importantes do power pop em todos os tempos. Se infelizmente não teremos mais novos discos do Bronco Bullfrog, só nos resta celebrar o legado de sua brilhante obra. É o que fazemos aqui, ao reconhecer o status de clássico de sua obra-prima de estreia.
A ENTREVISTA
Por Paolo Miléa
Conversamos com os três ex-Bronco Bullfrog Andy Morten, Mike Poulson e Louis Wiggett, que nos contaram suas impressões, suas histórias e seus sentimentos a respeito do seu clássico álbum de estreia.
PPS: Bronco Bullfrog, o álbum, levou quase dois anos pra ficar pronto. As 16 músicas já estavam compostas ou várias foram aparecendo durante do processo de gravação? Em, “Poor, Mrs. Whiterspoon”, onde os três membros contribuíram e existem tantas partes distintas, como chegou-se ao resultado final?ANDY: O álbum levou dois anos para ser gravado porque nós estávamos pagando as sessões do próprio bolso. Ensaiávamos três ou quatro canções, depois as gravávamos em um fim de semana como demos. Quando tínhamos 12 canções, a Twist Records nos perguntou se queríamos colocá-las em um álbum, então gravamos os pequenos interlúdios, mixamos tudo e enviamos para eles.
LOUIS: A maior parte das gravações que aparecem na versão final do álbum, eram demos de boa qualidade que começamos a gravar no verão de 96. A gravadora alemã Twist Records gostou tanto das faixas que concordou em lançá-las, disponibilizando, inclusive, capital para mais algumas músicas e, assim, chegarmos a um álbum completo. A partes incidentais foram trabalhadas depois para dar às faixas um clima global de álbum. “Mrs Whiterspoon” é uma canção de Andy, mas foi re-arranjada com alguns riffs influenciados pelo Black Sabbath.
Também tínhamos ouvido In Search Of do Fu Manchu – aquela parte intermediária da canção é definitivamente fruto daquele período.
MIKE: Me lembro que agendávamos o estúdio, ensaiávamos as músicas na noite anterior e depois íamos lá e gravávamos, normalmente, em um take. Era tudo muito natural, três amigos se divertindo a valer. A Twist Records, de algum modo, ouviu algumas faixas e de repente estávamos fazendo um álbum.
PPS: Conte-nos algum fato curioso, inusitado ou mesmo engraçado que tenha acontecido durante as gravações.
ANDY: Para mim TUDO foi interessante, inusitado e engraçado. Foi a primeira vez que me senti feliz com as músicas que eu havia escrito e com a música que nós fizemos no estúdio. A banda era eu e meus dois melhores amigos, então tudo isso foi uma grande aventura, uma luminosa gargalhada.
LOUIS: Fora a comida envenenada durante a sessão de fotos e a subseqüente temporada de três dias na cama com o pior caso de diarréia, assistimos ao famoso Caribbean Carnival de Leicester do balcão do YMCA durante as gravações e foi muito divertido. E eu tocando bateria em uma das faixas foi hilário. Pelo menos um membro da banda teve um pesado fim de relacionamento (isso não teve graça) durante as gravações, então nós empurramos um amplificador sobre algumas rodas, do quarto de ensaio da estação, porque Mike estava convencido de que aquilo soaria bem e eu aprendi como tocar um rudimentar bandolim para satisfazer nossas inclinações ao country. Tudo acima deu “sabor” ao álbum.
MIKE: Eu não lembro de muita coisa, para ser honesto, eu andava meio chapado naqueles dias.
PPS: Oficialmente a carreira da banda começa com o lançamento de Bronco Bullfrog? Quais eram as expectativas do grupo na época em que o disco saiu?
ANDY: Não houve expectativas. Nós três estivemos em diversas pequenas bandas de psicodelia e garage antes do Bronco Bullfrog, mas desta vez introduzimos influências mais amplas, então tentamos powerpop, country, baladas e hard rock. Poderíamos ter feito qualquer coisa naquele álbum e ninguém ficaria surpreso porque era tudo novo. Nós só caímos em uma espécie de trilho posteriormente.
LOUIS: Eu acho que o que esperávamos era continuar bons amigos e estou feliz por poder dizer que nós conseguimos.
MIKE: Nós não tínhamos expectativas. Curtimos sair por aí fazendo música juntos e nos divertindo todos esses anos em algo que nós ainda gostamos de fazer.
PPS: Qual foi a repercussão do álbum em termos de crítica e público?
ANDY: As pessoas que ouviram o disco devem ter gostado porque vendeu bem e permitiu-nos ir para a Espanha e Alemanha e fazer mais quatro álbuns.
LOUIS: As pessoas adoraram e foi considerado nosso melhor álbum. Suas perguntas são um aprova disso, certo?
MIKE: Suponho que as pessoas gostaram tanto que logo estávamos fazendo shows pela Europa como resultado. Contudo, na Inglaterra, teve uma importância diferente, não tenho certeza se aqui alguém esteve realmente interessado em nós.
PPS: Olhando em retrospecto, qual a opinião de vocês hoje sobre o álbum? Vocês têm suas canções preferidas?
ANDY: Eu acho que este é nosso melhor álbum porque era algo novo, com frescor e excitante. Nós estivemos tentando todas as coisas – nenhuma idéia era rejeitada. Minha canção favorita é “Paper Mask” porque apresenta uma maturidade profunda e uma emoção que havia faltado em minhas canções até então. As pessoas vinham até nós depois dos shows e diziam o quanto elas adoravam a canção e ainda continuam falando sobre ela.
LOUIS: Eu adoro, Andy adora, e meu pai adora: “Paper Mask” é a favorita de meu pai e ele diz que a nossa melhor canção. Eu realmente adoro “Lazy Grey Afternoon” porque me lembra o estilo de composição de Andy e Mike e me faz perceber que grande dupla de bastardos decentes eles são.
MIKE: Faz muito tempo que não escuto o disco, eu devo fazê-lo algum dia. É estranho como “Paper Mask” é a favorita do pai de todo mundo! Há uma lição ali, garotos! Ouçam os mais velhos, eles sabem as regras do jogo!