Por Daniel ArêasBandas e artistas de enorme talento e que mereciam ser reverenciados, mas que são quase que ignorados (ou só obtém o reconhecimento devido muitos anos depois); canções que já nascem clássicas, que deveriam ser entoadas em coro por milhares de vozes – mas que são conhecidas apenas por poucos felizardos; discos que deveriam figurar em qualquer lista “best of” decente, seja do ano, da década ou de todos os tempos – mas nunca são lembrados. Salvo raras e honrosas exceções, este é o cruel paradoxo que o power pop enfrenta, desde seus primórdios. Qualquer um que acompanhe o universo power pop já se deparou com inúmeros discos que não podiam ter outro destino senão o sucesso, mas que se tornaram objeto de culto de um grupo reduzido de fãs. Um exemplo que se enquadra perfeitamente nessa descrição é
At Home With Cherry Twister, dos americanos do Cherry Twister, o 5º. disco da Série Clássicos do Power Pop Station.
A figura central do Cherry Twister é o vocalista/guitarrista/compositor/produtor de Lancaster, Pennsylvania, Steve Ward, um daqueles artistas que parecem trazer em seu DNA a vocação e o talento para o pop. Em 1993 ele juntou-se ao baterista Steve Sackler para gravar, em seu estúdio caseiro, o ótimo álbum de estréia da banda, homônimo. Mas foi no segundo disco,
At Home With Cherry Twister, lançado seis anos depois – quando então o guitarrista Michael Giblin se juntou a Ward e Sackler – que todo o potencial que o disco anterior prenunciava aflorou.
Se tentássemos definir
At Home With Cherry Twister – que, como o nome indica, assim como o álbum de estréia foi gravado no home studio de Steve Ward – em uma única frase, poderia ser essa: uma coleção de canções que nos oferece todo o bem-estar e o prazer que o pop pode proporcionar. Alternando momentos suaves com outros de pegada mais rocker, o disco traz tudo de que precisamos para tornar nossos dias mais felizes: ganchos irresistíveis, melodias apaixonantes, refrões pegajosos e harmonias simplesmente sublimes.
Embora Steve Ward e cia. tenham buscado inspiração em vários dos gênios do pop e do power pop de todas as épocas, é evidente o seu fascínio pelos anos 60. Mas isso não faz o disco soar datado; muito pelo contrário, na realidade atesta sua atemporalidade (e, por tabela, a atemporalidade dos sons que lhe serviram de inspiração). É um deleite ouvi-lo hoje, como seria ouvi-lo há 40 anos atrás ou daqui a 40 anos.
O Cherry Twister mostra a que veio já na ótima faixa de abertura, “Don’t Forget Your Man”, uma mescla entre Beach Boys (uma de suas principais influências) e o peso das guitarras. Em seguida, um irresistível clima merseybeat paira sobre “Sparkle” - e a essa altura o ouvinte está definitivamente fisgado. O efeito
wah-wah de guitarra pontua “Meteorite”, uma canção que traz à lembrança a doçura pop dos Rubinoos e que tem seu lindo refrão ainda mais embelezado com a sobreposição dos vocais. Palmas (merecidíssimas) ao fim da canção, e então surgem os primeiros acordes de “Charlotte B.”
Pode existir a canção pop perfeita? Se a resposta é sim, “Charlotte B.” não pode ser definida de outra forma. Ao a ouvirmos pela primeira vez, a sensação é de incredulidade: como não sabíamos que isso existia? Quase que diariamente o mainstream nos despeja toneladas de inexpressivos “next big things”; e Steve Ward escreveu uma canção que tem mais valor do que todas as “novidades” – somadas - que nos são empurradas goela abaixo. O ouvinte possivelmente não conseguirá tirar o dedo da tecla
Repeat do CD-player, mas basta ouvir a canção uma única vez para que ela permaneça em sua memória por um bom tempo.
O brilho de “Charlotte B.” não ofusca, porém, as outras músicas do disco. O ritmo cadenciado e a jangly guitar conduzem “Leila” até desembocar no belo refrão, como nos melhores momentos do Big Star ou do Teenage Fanclub. Com suas celestiais harmonizações vocais, a suave e delicada “She’s gone”, nos remete tanto às baladas dos discos dos Beach Boys da fase pré-
Pet Sounds quanto a Simon and Garfunkel. Em “Maryann” as guitarras recebem uma injeção de energia e a referência que surge é a do Fountains of Wayne.
“Kinda Like A Star” é uma das melhores canções jamais compostas por Norman Blake. Outro ponto alto do disco, “She’s in Love Again” contagia e conquista de imediato, soando como um legítimo hit-single, apenas esperando que o mundo a descubra. Depois da bela balada “Careful (Can’t Fall Again)” – outra com evidente influência do merseybeat britânico – Ward fecha o disco com chave de ouro: em “Why Won’t You Believe In Me” ele se aventura – com total sucesso – pelos caminhos do AM pop, com sua voz soando mais angelical do que nunca, pairando sobre uma camada de teclados e um delicado dedilhar de guitarra.
At Home With Cherry Twister já ganhou, com toda justiça, o respeito e a admiração da comunidade power pop, figurando na lista de John Borack dos 200 melhores discos de power pop da história. Mas isso não basta para um disco tão genial. Talvez ainda chegue o tempo em que discos como
At Home With... estejam no topo das paradas, em que canções como “Charlotte B.” ou “She’s In Love Again” sejam as mais pedidas pelos ouvintes das rádios. Mas pensando sob uma perspectiva otimista, é possível identificar certos sinais de que talvez esse tempo não esteja tão distante assim.
A profusão de relançamentos, deluxe editions, versões remasterizadas de discos clássicos que vemos hoje pode ser interpretada como reflexo da assustadora mediocridade do atual cenário pop/rock mainstream. Será então que não é chegada a hora de começarmos a prestar atenção em todos estes maravilhosos artistas que passam quase que inteiramente despercebidos? Se o presente é desolador e o futuro parece sombrio, a salvação pode estar mais próxima do que imaginamos. E iniciar esse processo de descoberta com discos como
At Home With Cherry Twister seria uma escolha bem próxima do ideal.